Uso indiscriminado aumenta riscos de agravos e crimes, que podem ser prevenidos com orientações e tratamentos especializados
Houve um aumento no número de adolescentes que usam a Internet para compartilharem imagens de nudez e sexo
Fotos: Divulgação
O sexting é o segundo tema abordado na série de matérias especiais divulgadas, no site do Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG), entre os dias 13 a 16 de maio, em alusão ao Dia Nacional em Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (18/05).
Amanhã, mostraremos os impactos da exploração sexual na vida de crianças e adolescentes, enfatizando o uso indiscriminado da pornografia, assédio e turismo sexual; fecharemos, na quinta-feira, abordando o ‘grooming’, termo moderno usado para mostrar o aliciamento através das redes sociais.
De acordo com especialistas, ‘sexting’ é um exemplo de uso da Internet para expressão da sexualidade na adolescência. O termo é a aglutinação da palavra sex (sexo) + texting (torpedo), fenômeno no qual os adolescentes e jovens usam redes sociais, aplicativos e dispositivos móveis para produzir e compartilhar imagens de nudez e sexo. Geralmente, as mensagens são compartilhadas com fotos e vídeos. O sexting envolve também mensagens de texto eróticas com convites e insinuações sexuais para namorado (a), pretendentes ou amigos(as).
Há dois anos atuando no Núcleo de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítimas de Violência (NACA-SG) do MMSG, a psicóloga Maria Gabriela Ferreira alerta para os impactos negativos do ‘sexting’ na vida dos usuários. Segundo a psicóloga, no caso dos adolescentes, faixa etária de maior incidência de casos, o acesso deliberado à internet, a falta de acompanhamento e orientações dos pais e responsáveis tornam o ‘sexting’ um ‘atrativo’ para expressão das sexualidades, apesar dos iminentes riscos.
“A curiosidade e o desejo sexual, comuns na faixa etária, potencializam o sexting e os levam a uma exposição exacerbada. O acesso deliberado à internet, sem o acompanhamento dos responsáveis, traz uma sensação de ‘falsa liberdade’. E na busca pelo sexo ou afirmação da sexualidade, eles acessam todos os tipos de sites pornográficos, aplicativos e vídeos de sexo sem filtros ou orientações, pois o assunto, ainda é tabu para muitas famílias. Também tem aumentado o compartilhamento de imagens de nudez e as mensagens eróticas, que muitas vezes, estão no âmbito de suas relações com namorados (as) e amigos, mas acabam chegando a pessoas desconhecidas. Essas relações podem trazer traumas, impactos emocionais e culminarem em crimes de extorsão e abusos sexuais, já que até os 14 anos, a legislação considera como estupro de vulnerável”, explica a psicóloga.
Psicóloga Maria Gabriela aponta o uso deliberado da internet e sem acompanhamento como um agravante no 'sexting'
Foto: ASCOM/NEACA TR
‘Acompanhamos um caso de ‘sexting’ em que uma menina de 13 anos foi vítima de estupro’
Um caso de ‘sexting’, envolvendo uma menina de 13 anos, que é acompanhada pelo NACA-SG, chamou a atenção da equipe técnica para um estudo detalhado sobre o tema. De acordo com a psicóloga Maria Gabriela, a usuária iniciou uma relação com um homem pela internet e, após o compartilhamento de fotos e mensagens, acabou sendo aliciada e estuprada pelo ‘suposto namorado’.
“Infelizmente, tem se tornado comum, a questão da aceitação e exposição da sexualidade como uma troca romantizada. Nesse caso, especificamente, a menina omitiu a verdadeira idade para iniciar um relacionamento pela internet com um homem de 18 anos. Com a autorização da Justiça, obtivemos acesso às mensagens. Eram conteúdos adultos e incompatíveis para uma menina de 13 anos. Essas meninas e meninos têm uma noção equivocada sobre sexualidade. No caso da usuária, acabou sendo aliciada e estuprada pelo homem, que já foi denunciado e responderá pelo crime de estupro de vulnerável”, alerta a psicóloga.
‘A Internet tem sido uma porta de entrada para os abusadores’
A assistente social Victória do Livramento alertou para os iminentes riscos das relações abusivas, muitas das vezes ‘veladas’, no âmbito das redes sociais. Victória ressaltou a importância de não confundir amor com abuso. Para a assistente social, a despeito dos avanços tecnológicos, a Internet tem sido uma porta de entrada para abusadores, que se aproveitam da tecnologia para enganar e controlar pessoas.
“Temos visto muitos ‘likes’ em ‘stories’ das meninas se transformarem em encontros, que, posteriormente, acabam em relações abusivas. É aquele ‘suposto namorado’ que controla suas redes sociais, te proíbe de sair com suas amigas e usar roupas que você gosta. Ele age como se estivesse protegendo. Não confundam amor com abuso”, ressalta Victória.
Em relação ao atendimento às vítimas, Victória ressaltou a importância do fortalecimento dos vínculos, sejam familiares ou comunitários. “Estamos vivendo em um mundo tecnológico com muitas novidades. Portanto, é preciso fortalecer essas relações e elencar pontos positivos e negativos sobre o acesso à internet. Fazê-los refletir sobre essa dicotomia, entre o bom ou ruim.
Por isso, temos trabalhado a ‘parentalidade positiva’, que incentiva, por exemplo, os pais, mesmo que separados, respeitarem seus espaços e estarem presentes no desenvolvimento dos filhos. Isso pode ser uma forma de prevenir o uso indiscriminado da internet e serve como prevenção ao sexting”, explica Livramento, que integra a equipe técnica do Núcleo Especial de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítimas de Violência Doméstica e/ou Sexual (NEACA-SG).
Projetos como Naca e Neaca, administrados pelo MMSG, atendem crianças e adolescentes vítimas de abusos na internet
Foto: ASCOM/NEACA TR
‘Pornografia de revanche’ e os crimes previstos
O envio de fotografias poderia ser apenas a troca de imagens eróticas ou sensuais entre casais, namorados ou pessoas que estão em algum tipo de relacionamento, mas acabou tornando-se uma prática criminosa e vingativa. Essa modalidade passou ser denominada ‘pornografia de revanche’, já que em muitos casos são ex-namorados ou ex-maridos que publicam na internet fotos e vídeos das namoradas como forma de vingança após o fim do relacionamento.
Entre os casos de sexting levados à justiça no Brasil, a maioria são de vingança. A divulgação de fotos ou vídeos eróticos sem o consentimento do dono acarreta nos crimes de difamação ou injúria, com base nos artigos 139 e 140 do Código Penal. Ambos os crimes são caracterizados por serem contra à honra das pessoas e podem chegar a três anos de detenção. Quando se tratam de crianças, o crime é ainda mais grave, com pena de 3 a 6 anos de reclusão e multa, com base no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O Brasil teve mais de mil casos de sexting, segundo pesquisa elaborada pela ONG SaferNet
De acordo com a primeira pesquisa sobre o tema, elaborada pela ONG Safernet, que reúne cientistas da computação, professores, pesquisadores e bacharéis em direito com a missão de defender e promover os direitos humanos na Internet, a prática do sexting influenciou, infelizmente, no aumento de forma significativa da prática da pornografia infantil. Cerca de 90% dos adolescentes já usaram, alguma vez, a internet para expressarem a sua sexualidade.
Segundo estudo da ONG, em 2020 foram recebidas 96.590 denúncias anônimas envolvendo 46.019 páginas de pornografia infantil, as quais 23.330 foram removidas. No Brasil, no mesmo período, foram registrados cerca de 1.150 casos de sexting, e o número de atendimentos pela Safernet registrou que este problema está em 3º lugar perdendo apenas para problemas com dados pessoais, saúde e bem-estar. Por conta disto, os pais devem redobrar a atenção com relação aos seus filhos em posse de smartphones sem nenhum controle, principalmente de redes sociais, concluiu a pesquisa.
Orientação e atendimento às famílias são fundamentais
Para o assistente social Bruno Oliveira, quando se trata de adolescentes, os pais e responsáveis acabam perdendo o ‘controle’ em relação aos acessos à Internet. Contudo, Oliveira cita a importância do atendimento especializado às vítimas e as famílias para alinhar demandas e direcionamentos na prevenção ao ‘sexting’. Bruno destaca o papel da assistência social na dimensão sociopedagógica, que precisa orientar as famílias como lidar com essas novas ‘situações’ envolvendo tecnologias e relacionamentos virtuais.
“A tecnologia sempre traz incrementos novos em nossa sociedade. Além do sexting, dentro do nosso recorte sobre violência temos diversos casos envolvendo a internet e as redes sociais. Precisamos orientar esses adolescentes e seus familiares a lidarem com essas novas demandas sociais e tecnológicas. Nessa dimensão sociopedagógica, temos como principal objetivo a prevenção. Portanto, a orientação e o atendimento às famílias são fundamentais”, explica Oliveira, que atende, há 4 anos, no NACA-SG.
Atendimentos às vítimas de abusos e violências domésticas em três municípios
O projeto NEACA Tecendo Redes, iniciado em 2024, com a parceria da Petrobras, atende demandas relativas às violências contra crianças e adolescentes. O projeto abrange os municípios de São Gonçalo, Duque de Caxias e Itaboraí e tem como objetivo contribuir para a promoção, prevenção e garantia dos direitos humanos de mulheres, crianças, adolescentes e jovens (até 29 anos).
Em caso de ajuda, as denúncias de ‘sexting’ e abusos sexuais na internet podem ser repassadas ao Disque 100 (canal do Governo Federal) ou ao MMSG, que disponibiliza seus serviços, de segunda à sexta-feira, das 9h às 17hs, nos endereços e telefones abaixo:
NEACA (SG)- Rua Rodrigues Fonseca, 201, Zé Garoto. (2606-5003/21 98464-2179)
NEACA (Itaboraí)- Rua Antônio Pinto, 277, Nova Cidade. (21 98900-4246).
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