Manifestantes caminharam até a Praça Estephânia de Carvalho, no Zé Garoto, Centro, onde distribuíram panfletos e alertaram a população sobre as violações sexuais, em ação organizada pelo Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG)
Com cartazs e faixas, manifestantes seguiram em caminhada até à Praça Estephânia de Carvalho, no Zé Garoto, em SG
Fotos: ASCOM/NEACA TR
Com o slogan ‘Faça bonito, proteja nossas crianças e adolescentes’, o manifesto organizado pelo Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG) reuniu, na quinta-feira (16), ativistas de direitos humanos e estudantes em uma mobilização, na Campanha Maio Laranja, em combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, na Praça Estephânia de Carvalho, no Zé Garoto, Centro (SG).
A manifestação foi precedida de uma caminhada, de aproximadamente 1 km, iniciada na sede do MMSG, com uso faixas, cartazes, palavras de ordem e distribuição de panfletos. Na Praça Zé Garoto, foram montadas duas tendas usadas para distribuição de materiais informativos, oficinas de pintura e orientações à população sobre as violações sexuais. A ação foi embalada por músicas temáticas em alusão à proteção e direitos das crianças e adolescentes.
Marco simbólico desde 2000, a mobilização remete ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, datada em 18 de Maio, tendo como referência à trágica morte da menina Araceli Cabrera Crespo, que, em 1973, com apenas 8 anos, foi violentada e morta, na região de Vitória, no Espírito Santo (ES).
“Essa manifestação é importante, pois podemos levar às ruas toda nossa indignação em relação aos abusos e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Além disso, é uma oportunidade de alertar e orientar a população. São Gonçalo é grande e não podemos restringir nosso protesto ao Centro, mas expandir esse ‘grito’ para outros bairros”, disse a diretora executiva do MMSG, Oscarina Siqueira, de 78 anos.
‘Nosso recado é para população não se omitir’
À frente da mobilização, a gestora do MMSG, Marisa Chaves, ressaltou a importância do ‘Maio Laranja’ para o enfrentamento aos abusos e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Segundo Chaves, são crimes que atingem todas as classes sociais, sem distinção de raça, gênero ou poder econômico e devem ser denunciados aos órgãos competentes para investigar, prender os alegados autores, além possibilitar a proteção e atendimento às crianças para dirimir os impactos e traumas decorrentes dessas violências.
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“Nosso recado à população é para não se omitir e denunciar às violências. Os abusos e à exploração sexual não podem ficar impunes, como ocorreu no caso emblemático da menina Araceli, que, em 1973, sofreu um estupro coletivo e teve o corpo carbonizado. Naquela ocasião, a família não teve apoio das autoridades e o crime ficou sem culpabilização. Nossa missão é fazer com que esse caso não seja esquecido e evitar que outras crianças ou adolescentes sejam vítimas de atrocidades como a Araceli, que se tornou símbolo dessa luta”, alerta Marisa.
Marisa Chaves (E) discursa sobre a importância dos canais de denúncias e (D) manifestante ergue cartaz do Disque 100
Fotos: ASCOM/NEACA TR
‘Faça bonito, use os canais de denúncia’
Segundo Marisa Chaves, a omissão é crime e chegou a hora da população usar os canais disponíveis para denunciar. “Nosso slogan é ‘Faça Bonito, proteja nossas crianças e adolescentes’. Estamos aqui, nas ruas, fazendo a nossa parte. Nosso recado à população é para não se omitir e denunciar às violências sexuais, usando os canais como o Disque 100 ou procurando o MMSG, que com apoio da Petrobras, expandiu o atendimento do Núcleo Especial de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítimas de Violência Doméstica e/ou Sexual (NEACA)”, explica a gestora.
“Agora, o Projeto NEACA Tecendo Redes atende às demandas de São Gonçalo, Itaboraí e Duque de Caxias. Além disso, permanecemos com o Núcleo de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítimas de Violência (NACA), em SG e Niterói, que conta com a parceria da Fundação para Infância e Adolescência (FIA)”, complementa Chaves.
Brasil: a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são vítimas de exploração sexual
Segundo a Organização Mundial da Saúde, dos 204 milhões de crianças com menos de 18 anos, 9,6% sofrem exploração sexual, 22,9% são vítimas de abuso físico e 29,1% têm danos emocionais. Os dados mostram que, a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil, no entanto, esse número pode ser ainda maior, já que apenas 7 em cada 100 casos são denunciados. O estudo ainda esclarece que 75% das vítimas são meninas e, em sua maioria, negras.
De acordo com especialistas, a exploração sexual envolvendo crianças e adolescentes é caracterizada quando se busca a obtenção de lucros ou ganhos financeiros. Ocorre, principalmente, como consequência da pobreza e violência doméstica, que faz meninos e meninas nessa faixa etária deixarem os lares e se refugiarem em locais que os exploram em troca de moradia ou algum ganho eventual. Essas violações são típicas em redes de prostituição, pornografia, tráfico de pessoas e turismo sexual. Vale ressaltar que crianças e adolescentes não se prostituem, são abusadas.
“Além da objetificação dos corpos, é preciso atentar para as vulnerabilidades e a incapacidade desse público infanto-juvenil em dimensionar a realidade e os riscos. Sendo assim, os casos de exploração sexuais requerem escuta qualificada e o trabalho articulado”, reitera a psicóloga Juliana Maciel, que integra a equipe do Núcleo de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítimas de Violência (NACA-SG), administrado pelo MMSG.
Crianças também marcaram presença na manifestação da Campanha Maio Amarelo, na Praça Zé Garoto, em S. Gonçalo
Fotos: ASCOM/NEACA TR
Abusos: familiares e conhecidos são responsáveis por 68% das violações
De acordo com dados do Ministério da Saúde, a residência das vítimas é o local de ocorrência de 70,9% dos casos de violência sexual contra crianças de 0 a 9 anos de idade e de 63,4% dos casos contra adolescentes de 10 a 19 anos. Familiares e conhecidos são responsáveis por 68% das agressões contra crianças e 58,4% das agressões contra adolescentes nessas faixas etárias.
A maioria dos agressores são do sexo masculino, responsáveis por mais de 81% dos casos contra crianças de 0 a 9 anos e 86% dos casos contra adolescentes de 10 a 19 anos. As vítimas são predominantemente do sexo feminino: 76,9% das notificações de crianças e 92,7% das notificações de adolescentes nessas faixas etárias ocorreram entre meninas.
“Os agressores se aproveitam, da posição de poder ou autoridade, da confiança e respeito, para envolver a vítima em atividades sexuais não consentidas. É considerada uma das violações de maior incidência, pois, crianças e adolescentes são, geralmente, alvos de pessoas do próprio convívio”, relata a assistente social Tatiana Coutinho, que compõe a equipe técnica do Núcleo de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítima de Violência (NACA-SG).
De acordo com o boletim, no período de 2015 a 2021, foram notificados 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, sendo 83.571 contra crianças e 119.377 contra adolescentes. Em 2021, o número de notificações foi o maior registrado ao longo do período analisado, com 35.196 casos.
População apoiou a manifestação
Para o advogado aposentado Heládio José Pinheiro, de 84 anos, a manifestação em combate aos abusos e à exploração sexual de crianças e adolescentes deveria ser repetida outras vezes durante o ano. “Ações como essa merecem ser aplaudidas e repetidas outras vezes para combater essas violações sexuais que atingem nossas crianças e adolescentes em todo o país”, opinou o aposentado.
A vendedora autônoma Mônica de Souza Lima, 51 anos, que vende doces e biscoitos em frente à praça, acha necessária a manifestação para alertar pais e responsáveis sobre os abusos sexuais. A vendedora citou os riscos que crianças e adolescentes correm ao ficarem sob a responsabilidade ou próximas a pessoas estranhas. Segundo Mônica, elas devem ser orientadas a não deixarem tocar em seus corpos.
“A orientação é fundamental. Pais e filhos precisam estar cientes que ninguém pode tocar no corpo das crianças sem a permissão”, acrescentou Mônica, que denunciou a presença de pedófilos na Praça Zé Garoto. “Aqui tem vários pedófilos que ficam circulando na praça, olhando as meninas e até cometendo atos libidinosos”, completou.
Já a aposentada Maria Helena da Silva, de 71 anos, costuma trazer a bisneta para brincar na praça e se aproximou das tendas para se orientar sobre os abusos e a exploração sexual. “Muitas pessoas não sabem o que a criança passa dentro de casa. Esse tipo de trabalho, ajuda essas meninas e meninos falarem sobre possíveis violações. Acho muito bom esse tipo de manifesto para alertar a população”, concluiu a aposentada, enquanto a bisneta participava da oficina de pintura.
População recebeu material informativo e elogiou a manifestação em defesa dos direitos das crianças e adolescenrtes
‘Fui vítima e sei da importância do acolhimento’
Com 13 anos, uma adolescente, que foi vítima de abuso, participou da manifestação e falou da importância do acolhimento.
“Quando cheguei ao MMSG, mal conseguia falar. Fui acolhida e após o atendimento, consegui expressar a minha dor e superar o trauma. Hoje, consigo ajudar, outras crianças e adolescentes, contando sobre o meu caso”, disse a adolescente.
Primeira vez em uma manifestação organizada pelo MMSG, o assistente social Diego Marinho, 33 anos, elogiou a ação de enfrentamento às violações e ao fato de ter conseguido mobilizar a população para o tema.
“Isso mostra a importância do MMSG, dos equipamentos e dos canais de denúncias para ajudar no combate aos crimes. Como já foi dito, as denúncias precisam ser feitas e as vítimas precisam de um atendimento especializado para que tenham um desenvolvimento seguro, sejam protegidas e cada vez menos expostas a esse tipo de violência”, reitera o assistente social, que integra a equipe do NEACA-SG.
Atendimentos às vítimas de abusos e violências domésticas em três municípios
O projeto NEACA Tecendo Redes, iniciado em 2024, com a parceria da Petrobras, atende demandas relativas às violências contra crianças e adolescentes. O projeto abrange os municípios de São Gonçalo, Duque de Caxias e Itaboraí e tem como objetivo contribuir para a promoção, prevenção e garantia dos direitos humanos de mulheres, crianças, adolescentes e jovens (até 29 anos).
Em caso de ajuda, as denúncias de exploração sexuais podem ser repassadas ao Disque 100 (canal do Governo Federal) ou ao MMSG, que disponibiliza seus serviços, de segunda à sexta-feira, das 9h às 17hs, nos endereços e telefones abaixo:
NEACA (SG)- Rua Rodrigues Fonseca, 201, Zé Garoto. (2606-5003/21 98464-2179)
NEACA (Itaboraí)- Rua Antônio Pinto, 277, Nova Cidade. (21 98900-4246).
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