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A 'invisibilidade' da mulher indígena e seus dilemas nas grandes cidades

No Dia Internacional da Mulher Indígena, o MMSG homenageia todas essas 'guerreiras', que, apesar do papel essencial na preservação de suas culturas, línguas e tradições milenares, ainda lutam para sair da 'invisibilidade', contra a hiperssexualização e o apagamento cultural



Assistente social Yasmin Gimenes e sua mãe Mônica de Mello são mulheres indígenas em retomada que vivem na cidade

Foto: Hitalo Chaves/ASCOM/NEACA TR


No dia 5 de setembro é celebrado o Dia Internacional da Mulher Indígena. E o Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG) homenageia todas as mulheres originárias, no Brasil e exterior, por desempenharem um papel essencial na preservação de suas culturas, línguas e tradições milenares.


Muitas delas, ‘invisibilizadas’, moradoras das cidades, atuam em diferentes frentes profissionais, mas vivem o processo de retomada às suas origens e continuam na linha de frente em defesa dos povos originários, cujas terras e modos de vida, em vários pontos do Brasil,  estão sob constante ameaça.


O reconhecimento e o empoderamento das mulheres indígenas são passos fundamentais para garantir a igualdade de gênero e para preservar não apenas suas culturas e tradições, mas também o meio ambiente e a biodiversidade que são essenciais para o futuro do planeta.


A data foi instituída em 1983, durante o II Encontro de Organizações e Movimentos da América, em Tihuanacu, na Bolívia. O dia foi escolhido em memória de Bartolina Sisa, mulher Quéchua que foi morta durante a rebelião anticolonial de Túpaj Katari, no Alto Peru, região atual da Bolívia, nos anos de 1780.


De acordo com estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU)/Mulheres, órgão dedicado a promover a igualdade de gênero e o empoderamento feminino, no mundo há uma população indígena de aproximadamente 476,6 milhões de pessoas, e dentre elas, mais da metade, o equivalente a 238,4 milhões, são mulheres.


Invisiblidade da mulher indígena na cidade


Integrante do projeto NEACA Tecendo Redes, organizado pelo Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG), a assistente social Yasmin Mello Gimenes, 25 anos, é uma indígena em retomada. Ela e a mãe, Mônica de Mello, de 55 anos, foram criadas em Olaria, bairro periférico da Zona Norte do Rio de Janeiro. Sua família veio do Maranhão para o Rio de Janeiro sem qualquer documentação acerca de suas etnias. Atualmente, Yasmin realiza pesquisa acadêmica sobre o tema na Universidade Federal Fluminense (UFF).


Assim como outras milhares de mulheres indígenas, Yasmin e a mãe são parte de uma 'etnia invisibilizada' nas cidades

Foto: Hitalo Chaves/ ASCOM NEACA TR


De acordo com Yasmin Gimenes, para analisar o problema da invisibilidade da mulher indígena na cidade é preciso retomar algumas questões como as invasões européias no território 'pindorâmico' (palavra originada do radical 'pindorama' que, em Tupi, significa “terra das Palmeiras”, território que hoje se entende enquanto o país Brasil) e posteriormente ao trabalho forçado, de forma compulsória, juntamente com os povos vindos sequestrados da África.


"Pode-se afirmar, com isso, que toda a base societária em que hoje estamos inseridos fora forjada no projeto político de genocídio dos povos nativos para a dominação de suas terras.  Ao longo de todo o processo de 'desenvolvimento' colonial do país conformado Brasil, foi realizado um trabalho de etnogenocídio (extermínio) através da desumanização e inferiorização de mulheres indígenas - e negras", explica a pesquisadora.

Hiperssexualização e embranquecimento social


Para Yasmin Mello, o primeiro ponto a ser explanado é o processo de embranquecimento social da população que outrora fora denominado romanticamente como miscigenação.


"O que ocorreu, na realidade, foi o projeto político de violação sexual de mulheres indígenas e negras para que a população pudesse embranquecer e assim o país pudesse estar apto para se desenvolver. Tal fato alimentou a lógica de hiperssexualização de mulheres indígenas e negras, um dos pilares sob o qual a sociedade brasileira se conformou", reitera a assistente social.

Segundo a pesquisadora, outro ponto a ser tratado é o etnogenocídio: projeto político colocado em prática para o desenvolvimento do país brasileiro, que, conforme Yasmin, determinou o incessante apagamento de milhares de povos e etnias que aqui viviam antes de os colonizadores chegarem.


"Estima-se que, de acordo com as pesquisas de Darcy Ribeiro (1970), haviam aproximadamente 5 milhões de habitantes quando os portugueses chegaram ao Brasil e, em 1957, restavam de 68.100 a 99.700 indígenas. Além disso, em 1500 havia 1.700 povos indígenas de diferentes etnias, no entanto, houve o genocídio de quatro milhões de povos originários e suas etnias, fato que reverbera nos dias atuais com o apagamento de indígenas nas aldeias e nas cidades", pondera Yasmin.

O apagamento cultural foi provocado pelo etnogenocídio que extermimou com mais de 4 milhões de indígenas no Brasil

Foto: Hitalo Chaves/ASCOM/NEACA TR


'Muitos indígenas que nascem nas cidades não sabem suas origens'


De acordo com Yasmin Mello, a colonização foi um movimento bem sucedido no que se refere ao apagamento das identidades indígenas e suas culturas. Muitos indígenas que nascem nas cidades não sabem suas origens nem a que povo pertencem.


"Essa é uma estratégia valiosa para o Estado capitalista, uma vez que o roubo da terra originária se traduz em lucro - podemos ver como exemplo a situação do agronegócio. Na cultura indígena, todos somos um só: terra, seres humanos, animais, plantas. Nós precisamos uns dos outros para sobrevivermos; não estamos à parte na natureza, nós somos a natureza. Há uma violência contra os saberes ancestrais e, portanto, contra as mulheres indígenas vivendo em contexto urbano, já que a mulher indígena é profundamente respeitada nas culturas originárias", acrescenta Mello.

Yasmin Mello e a mãe são mulheres indígenas que buscam suas origens e lutam contra a violência ancestral e cultural

Foto: Hitalo Chaves/ASCOM/NEACA TR


Algumas violências contra a mulher indígena urbana


Para a pesquisadora Yasmin Mello a invisibilidade da mulher indígena conforma-se como uma violência.


"Primeiro, violência de gênero, tendo em vista a sociedade de caráter machista e patriarcal que ainda vivemos, mesmo com avanços adquiridos através de luta. Segundo, a violência de cunho étnico-racial, uma vez que pessoas indígenas são historicamente racializadas e colocadas num patamar de inferioridade, juntamente com a população negra, visto que o racismo destinado a essas populações é estrutural", disse a assistente social.

Conforme Yasmin, a  mulher indígena que vive em contexto urbano sofre constantemente com a desigualdade social de forma especificada.


"Pessoas indígenas em contexto urbano chegam às cidades de forma precarizada e marginalizada, tendo em vista que vão habitar as periferias das cidades. Na maioria das vezes, as mulheres indígenas ocupam empregos onde as condições de trabalho são precarizadas e sua mão de obra desvalorizada. Além disso, mulheres indígenas sofrem constantemente com o questionamento se realmente são 'índias de verdade', já que o imaginário construído socialmente da indígena é aquela que vive nas aldeias e florestas", questiona Mello.

No Rio de Janeiro existe um único aldeamento indígena em contexto urbano


Você sabia? No Rio de Janeiro existe um único aldeamento indígena em contexto urbano. Trata-se da Aldeia Maraká’nà, situada ao lado do estádio Maracanã, que além de abrigar 14 famílias de diferentes etnias indígenas é também a Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maraká’nà (UIPAM). As lideranças da Aldeia são o cacique Urutau Grajajara e, sua esposa, a guerreira cacica Potyra Guajajara.


Pesquisadora integra o MMSG, que atende vítimas de violência de todas as etnias    

  

Pesquisadora Yasmin Gimenes durante ação do Projeto NEACA Tecendo Redes em combate à violência doméstica em SG

Foto: Hitalo Chaves/ASCOM/NEACA TR

O projeto NEACA Tecendo Redes, que tem apoio da Petrobras, foi iniciado em 2024 e atende demandas relativas às violências domésticas. O projeto já abrangia  os municípios de São Gonçalo e Itaboraí, e agora chega a Duque de Caxias com o objetivo contribuir para a promoção, prevenção e garantia dos direitos humanos de mulheres, crianças, adolescentes e jovens (até 29 anos) de todas as etnias.


Em caso de ajuda, o NEACA disponibiliza seus serviços, de segunda à sexta-feira, das 9h às 17hs, nos endereços e telefones abaixo:


NEACA (CAXIAS) – Rua General Venâncio Flores, 518, Jardim 25 de Agosto. (21 96750-3095).

NEACA (SG)- Rua Rodrigues Fonseca, 201, Zé Garoto. (2606-5003/21 98464-2179)

NEACA Primeira Infância (SG)- Rua Rodrigues Fonseca, 313, Zé Garoto. (21 96750-1595)

NEACA (Itaboraí)- Rua Antônio Pinto, 277, Nova Cidade. (21 98900-4246).

1 Comment


Yasmin Gimenes
Yasmin Gimenes
Sep 06

Muito obrigada MMSG e equipe de comunicação por me permitir ser eu mesma e dar visibilidade à causa dos povos indígenas. Seguimos!

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