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Vitimadas pela violência doméstica, mulheres escrevem livro e recebem 'moção de aplausos' em S. Gonçalo

Moradoras de periferias, escritoras integram o projeto ‘Grupo reflexivo’, organizado pelo Movimento de Mulheres em SG (MMSG), e foram agraciadas com a moção Pérolas Negras, em evento na OAB



Escritoras foram aplaudidas de pé ao receberem a moção 'Pérolas Negras', durante evento na sede da OAB em S. Gonçalo

Foto: Thiago Fantoni


Alvos de violências domésticas e sexuais, mulheres oriundas de periferias de São Gonçalo venceram preconceitos, discriminações, e transformaram suas experiências em uma coletânea de histórias, que deram origem ao livro ‘Escrevivências periféricas, minha vida importa sim!’. Pelo significativo ‘conjunto’ da obra, as escritoras foram agraciadas com a moção ‘Pérolas Negras’, concedida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SG), durante seção especial, realizada, na última quarta-feira (27), na sede da instituição, no Centro. Moradoras do Complexo do Salgueiro (SG) e regiões adjacentes, as autoras integram o projeto ‘Grupo Reflexivo’, que é capitaneado pelo Movimento de Mulheres em São Gonçalo (MMSG).


Uma das organizadoras do livro, a assistente social Lucélia Baptista ressaltou a importância da moção como uma forma de premiar o empoderamento e a coragem das autoras, que lutaram, por muitos anos, para romperem com os ciclos de violências, praticados, em sua maioria, pelos próprios companheiros. Segundo Baptista, a ideia, de transformar às experiências em uma coletânea de histórias, surgiu durante as rodas de conversas realizadas no Complexo do Salgueiro e na sede do MMSG, em São Gonçalo. O livro foi inspirado no conceito de ‘escrevivências’ desenvolvido pela escritora Conceição Evaristo, que apregoa, em suas obras, o direito das mulheres negras escreverem a sua própria história.      


“O primeiro ano de Projeto Grupo Reflexivo foi uma etapa, onde, a roda de conversa era complementada com artes e artesanato. Em um segundo momento, porém, implementamos, aos poucos, a escrita, estimulando a descrição das experiências a partir do ‘conceito’ de ‘escrevivências’ elaborado pela escritora Conceição Evaristo. Essas mulheres, com apoio psicossocial, ultrapassaram obstáculos, acessaram o sistema de garantias de direitos, venceram discriminações e preconceitos. Apesar das marcas, elas estão mais resilientes e se tornaram potentes. São histórias que nos emocionam e fazem refletir”, explica Luciléia, que é coordenadora técnica do Projeto NEACA Tecendo Redes, em Itaboraí.     

"Essas mulheres ultrapassaram obstáculos, acessaram o sistema de garantias de direitos, venceram discriminações e preconceitos. Apesar das marcas, elas estão mais resilientes e se tornaram potentes. São histórias que nos emocionam e fazem refletir” (Luciléia Baptista)

Evento contou com a participação de magistrada, ativistas e militantes de movimentos populares 


O evento, na OAB-SG, foi mediado pelo advogado Herimar Santana, representante do Centro de Estudos Brasil-África (CEBA), e teve como tema: ‘Empoderando mulheres, criando um mundo igualitário’.  “Especificamente, essa moção é um prêmio às mulheres, escritoras e autoras de suas histórias, que se destacam em suas áreas de atuação e no trabalho desenvolvido na promoção da igualdade racial, em combate ao racismo ou qualquer forma de preconceito e discriminação”, ressaltou Santana.     


Participaram da mesa: a desembargadora Ivone Caetano, primeira magistrada negra no estado do RJ; a chefe de gabinete parlamentar e integrante do grupo Juventude Negra(SG), Vitória Cruz; a jornalista Kelly Cristina; a cantora e militante do Movimento Negro, Vanu Arantes; a assistente social Luciléia Baptista; a pedagoga e criadora do canal ‘Conversa de Mulheres’, Márcia Cunha; e a presidente da seccional OAB-SG, Andreia Pereira. As apresentações e falas foram intercaladas por depoimentos das escritoras, vídeos, e releituras do livro.      


Desembargadora enalteceu a coragem e resiliência das ‘mulheres escritoras’




Autora do livro ‘Rosa Negra, retalhos de uma trajetória de superação’, a desembargadora Ivone Caetano, primeira magistrada negra no estado do RJ, enalteceu o trabalho das escritoras e lembrou sua história de vida na luta contra o racismo e o patriarcado.


 “Sou mulher e negra, e, quando jovem, enfrentei inúmeros obstáculos. Na ocasião, ainda predominavam fortes resquícios escravocratas e o racismo subjugava os negros às mais diversas perversidades. Fui à luta para ajudar minha mãe na criação de meus irmãos. Tinha três empregos. Sabia que a educação era a saída. Lia diversos livros. A leitura e a busca pelo conhecimento me empoderaram e ajudaram me tornar uma magistrada. Hoje, confesso, a despeito da minha avançada idade e da saúde debilitada, ao conversar com essas mulheres, me refiz, sinto-me fortalecida e com a consciência tranquila de que estamos avançando”, ressaltou a desembargadora.        


 “Sou mulher e negra, e, quando jovem, enfrentei inúmeros obstáculos. Na ocasião, ainda predominavam fortes resquícios escravocratas e o racismo subjugava os negros às mais diversas perversidades. Fui à luta para ajudar minha mãe na criação de meus irmãos. Tinha três empregos. Sabia que a educação era a saída. Lia diversos livros. A leitura e a busca pelo conhecimento me empoderaram e ajudaram me tornar uma magistrada" (Desembargadora, Ivone Caetano)   

‘O inimigo mora ao nosso lado’


Durante a apresentação, a mesa deu oportunidade à coautora do livro ‘Escrevivências periféricas, minha vida importa sim!’, Claudia Elizabeth Teixeira Gomes, a Morgana. Ela recitou um poema e fez uma breve releitura de parte da obra. Narrativas sobre as marcas, físicas e emocionais, deixadas pela violência doméstica, emocionaram o público. A escritora lembrou de suas experiências e traumas vivenciados, por muitos anos, ao lado da pessoa, que, inicialmente, segundo ela, pensava ser ideal para casar e ter filhos.


“Fui alertada, mas nunca acreditei que, aquele homem, com quem me relacionava, seria o que falavam. Talvez, não queria acreditar. Fiquei grávida, tive filho. Bastava um gole de álcool, que tudo mudava. Fui vítima das mais diversas violências e humilhações. Perdi a vontade de viver. Eram só brigas e agressões. O choro fazia parte da minha rotina. Cuidado mulheres, em muitos casos, o inimigo mora ao nosso lado. Com o pouco da energia que tinha, pedi socorro, apoio, e me reencontrei ao integrar o grupo reflexivo. Consegui romper com aquele ciclo de violências em que vivia. Hoje, sei da minha potência. Posso ser quem eu quero e fazer o que quiser”, discursou Morgana.   


"Fui vítima das mais diversas violências e humilhações. Perdi a vontade de viver. Eram só brigas e agressões. O choro fazia parte da minha rotina. Cuidado mulheres, em muitos casos, o inimigo mora ao nosso lado. Com o pouco da energia que tinha, pedi socorro, apoio, e me reencontrei ao integrar o grupo reflexivo. Consegui romper com aquele ciclo de violências em que vivia. Hoje, sei da minha potência. Posso ser quem eu quero e fazer o que quiser” (Morgana)

 ‘Não desista dos teus sonhos’


A autora Lucimar Silva Teixeira enfatizou a importância de as mulheres, vítimas de violência, jamais desistirem de seus sonhos. Segundo ela, a resistência, o foco e o pedido de socorro ajudam enfrentar os obstáculos. A escritora fez uma releitura do trecho em que escreve uma carta para ela mesma, insinuando uma autorreflexão sobre suas lutas contra a decepção de viver sob uma relação tóxica. “Não desista de ti, não desista dos seus sonhos e desejos. Deixe de se sentir culpada. Pense sempre que você importa e é especial”, reiterou Lucimar.    


Três a cada dez brasileiras já foram vítimas de violência doméstica


De acordo com o Instituto DataSenado, três a cada dez brasileiras já foram vítimas de violência doméstica. Os dados foram divulgados pela Procuradoria da Mulher do Senado. A aferição é realizada a cada dois anos, com mulheres de todo o Brasil. Trata-se da série histórica mais antiga sobre a temática do país, tendo sido criada, em 2005, para dar subsídio ao Parlamento para a elaboração da Lei Maria da Penha. Desde então, foram entrevistadas mais de 34 mil mulheres, em 10 anos da pesquisa.

 

Mais de 21 mil mulheres responderam a pesquisa de 2023, o que o tornou o maior estudo sobre violência doméstica já realizado no Brasil, apenas com mulheres. O levantamento aponta quanto menor a renda, maior a chance de a mulher sofrer violência doméstica, diz o estudo. Mais de 25,4 milhões de brasileiras já sofreram violência doméstica provocada por homem em algum momento da vida. Desse total, 22% declararam que algum desses episódios de violência ocorreu nos últimos 12 meses. Fonte (Agência Senado)


 ‘Grupo Reflexivo’ do MMSG reuniu 70 mulheres


Organizado pelo MMSG, o Projeto Grupo Reflexivo teve início em 2021, reunindo 70 mulheres, tendo como objetivo superar o machismo, a misoginia e o racismo. Na ocasião, 80% das participantes relataram ter sofrido algum tipo de violência doméstica e/ou sexual por mais de uma vez e por longo período de tempo. Cerca de 30% delas faziam uso de medicamentos psiquiátricos. Sob o recorte racial, o grupo era formado, majoritariamente, por negras e pardas. Estatisticamente, foram relatados os seguintes tipos de violências: física (60%), psicológica (60%), sexual (40%), moral (40%), e patrimonial (28%).


“A implantação dos grupos reflexivos ocorreu em 2021. Desde, então, os encontros ocorrem quinzenalmente. Esta experiência tem revelado a potência do compartilhamento, incentivando-as a promover novas aprendizagens, senso de cooperação e o autocuidado. Esse livro, produzido pelas participantes, proporciona aos leitores uma imersão ao cotidiano dessas mulheres, que nos confiaram suas histórias singulares de sofrimento e superação. Portanto, sair da invisibilidade e romper com a opressão do silenciamento, impostos pelo patriarcado e o racismo, nos fazem superar o processo de dominação masculina em relação a nós mulheres”, explica Marisa Chaves, gestora do MMSG e coordenadora do Projeto Neaca Tecendo Redes, que conta com apoio da Petrobras, e disponibiliza núcleos de atendimentos às mulheres vítimas de violência doméstica e sexual, em São Gonçalo, Itaboraí e Duque de Caxias. Os núcleos também atendem crianças, adolescentes e jovens (até 29 anos).       


"Esse livro, produzido pelas participantes, proporciona aos leitores uma imersão ao cotidiano dessas mulheres, que nos confiaram suas histórias singulares de sofrimento e superação. Portanto, sair da invisibilidade e romper com a opressão do silenciamento, impostos pelo patriarcado e o racismo, nos fazem superar o processo de dominação masculina em relação a nós mulheres” (Marisa Chaves)

Desembargadora enalteceu a coragem das escritoras e falou da sua trajetória na luta contra o racismo e o patriarcado

Foto: Thiago Fantoni


A ssistente social Luciléia Baptista durante apresentação do livro e ao fundo as mulheres escritoras na OAB- São Gonçalo

 

Em caso de ajuda, o MMSG disponibiliza seus serviços, de segunda à sexta-feira, das 9h às 17hs, nos endereços abaixo:


NEACA (SG)- Rua Rodrigues Fonseca, 201, Zé Garoto. (2606-5003/21 98464-2179)

NEACA (Itaboraí)- Rua Antônio Pinto, 277, Nova Cidade. (21 98900-4246).   


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