Evento, marcado por cartas de repúdio às ações truculentas do Estado no Complexo do Salgueiro, contou com a participação de autoridades, representantes de universidades públicas, entidades civis e estatais, lideranças comunitárias, além de artistas e ativistas de direitos humanos
Integrantes das entidades que compõem o Observatório das Periferias de SG no evento de aniversário no Jardim Catarina
Foto: ASCOM/NEACA TR
Gritos de indignação e resistência em repúdio às truculências das ações policiais perpetradas pelo Estado no Complexo do Salgueiro marcaram a celebração do primeiro aniversário do Observatório das Periferias em São Gonçalo (OPSG), na quinta-feira, no Jardim Catarina. O evento reuniu autoridades, representantes de universidades públicas, lideranças comunitárias, entidades civis e estatais, além de artistas e ativistas de direitos humanos.
A reunião também marcou o lançamento do Projeto ‘Saúde e Cartografia Social das Entidades da Sociedade Civil de São Gonçalo’, que, após articulações nos primeiros 12 meses do OPSG, foi contemplado em edital público, da FIOCRUZ, denominado: "Apoio a Ações de Saúde Integral nas Favelas do Rio de Janeiro". A ação visa o fortalecimento das redes da sociedade civil dentro de várias regiões no Estado do Rio de Janeiro.
O OPSG foi criado, oficialmente, em 14 de setembro de 2023, apesar de as reuniões iniciarem em julho do ano passado. Atualmente, as entidades que integram a comissão executiva são: Movimento de Mulheres em São Gonçalo, ONG CAMPO, Instituto Fé e Esperança, Centro Comunitário Amigos do Serpa, Associação Oficina de Vida e Instituto Eder Fé e Esperança. Vale ressaltar que o OPSG tem reuniões mensais e está aberto para participação de todas as entidades, lideranças ou pessoas que lutam em defesa da dignidade e do respeito aos territórios periféricos de São Gonçalo.
Seminário: articulações em rede, territórios e cartografias
Durante a cerimônia, apresentada pela pedagoga Maria de Fátima Silva Ângelo, foi organizado um seminário dividido em duas mesas de debates: a primeira, mediada pela líder comunitária Eugênia Santos Oliveira, versou sobre as articulações, proposições de políticas públicas e os conceitos de território e cartografias no âmbito das primeiras ações do OPSG.
Mesa formada pelo professor Cunca (UFRJ), mediadora Eugênia Oliveira, socióloga Tahis Passos e assessora Márcia Pereira
Foto: ASCOM/NEACA TR
Compuseram a mesa inicial o professor da UFRJ, Pedro Cláudio Cunca Bocayuva; a socióloga Tahis Moreira Passos (Centro Comunitário Amigos do Serpa do Complexo do Salgueiro); e a bióloga Márcia Pereira (Assessora técnica na Assessoria Especial em Saúde para os Territórios de Periferias, vinculado ao Gabinete da Ministra da Saúde).
A segunda mesa, mediada pela psicóloga Patrícia Muniz (Integrante do Projeto Vozes Periféricas coordenado pelo Movimento de Mulheres em São Gonçalo - MMSG), versou sobre a temática ‘Fortalecendo o trabalho de articulação intersertorial em rede’. A mesa foi composta pelo professor Rodrigo Lima (Escola de Serviço Social da UFF) e pela mestra em Serviço Social pela UFRJ, Marisa Chaves de Souza (Gestora e coordenadora de projetos do Movimento de Mulheres em São Gonçalo).
Em sua apresentação, gestora do MMSG Marisa Chaves ressaltou a importância das articulações intersetoriais em rede
Foto: ASCOM/NEACA TR
Antes do início das mesas, os organizadores reproduziram um vídeo de boas-vindas do doutor em Saúde Coletiva pela Fiocruz, Richarlls Martins da Silva, atual presidente da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD) do Governo Federal e coordenador do Plano Integrado de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro (146 X Favelas).
‘Carta Aberta’ em repúdio às ações policiais no Complexo do Salgueiro
No início do evento foi realizada a leitura da carta aberta, elaborada pelas integrantes da comissão executiva, sobre as operações truculentas da polícia nos territórios que compreendem o Complexo do Salgueiro e Jardim Catarina. Em nota, participantes das instituições que integram o Observatório das Periferias em São Gonçalo repudiaram as violentas operações perpetradas pelo Estado nesses territórios, já tão negligenciados pelo poder público.
“Ao longo de anos, sobretudo nas duas últimas semanas, Salgueiro e Jardim Catarina, assim como outras regiões periféricas, são alvo da barbárie que resulta na morte de muitos cidadãos, além dos impactos imensuráveis na saúde física, psicológica e na paralisação da vida cotidiana destes sujeitos”. (Entidades do OPSG)
Cópias da carta foram distribuídas nas pastas entregues pela recepção a todos os presentes, que também receberam diversos informativos e um certificado de participação no seminário. Durante a cerimônia foi servido um coquetel aos convidados.
Carta em repúdio às ações truculentas do Estado no Complexo do Salgueiro foi distribuída aos participantes do evento
Foto: ASCOM/NEACA TR
‘Chega de truculência: as periferias querem ser ouvidas’
Em sua participação no debate, a gestora do MMSG, Marisa Chaves, ressaltou, inicialmente, a sua indignação em relação às condições precárias impostas, segundo ela, à população do Complexo do Salgueiro e Jardim Catarina, nas últimas duas semanas, mediante às ações truculentas das forças do Estado nesses territórios.
“O que me move em busca de direitos é a indignação. As pessoas não suportam mais as truculências perpetradas pelo Estado nesses territórios, que impactam a vida de centenas de pessoas, que não podem ir e vir, sair de casa para trabalhar. São mulheres com crise de pânico, sem esperança. Crianças e jovens sem estudar. Creches sem funcionar. Chega de truculência, as periferias querem ser ouvidas”, disse Chaves, que, falou, posteriormente, sobre a importância da rede intersetorial e da proposição de políticas públicas.
‘É a mesma cegueira: os morticínios em Gaza e nas periferias do Brasil’
Para o professor da UFRJ Pedro Cláudio Cunca, as periferias no Brasil se tornaram um território de controle das massas e onde se naturalizaram as ‘guerras’, sem pensar no bem estar e na saúde das pessoas. Segundo Cunca, o corpo é o nosso primeiro território, que precisa de cuidado, da emergência do alimento, segurança, saúde e todas as garantias básicas acordadas em nossa constituição.
“Naturalizamos o controle das massas e a fabricação das guerras. É a mesma cegueira: os morticínios em Gaza (Oriente Médio) e nas periferias do Brasil. Precisamos de novos desenhos e novas cartografias”, explica o professor.
Professores Pedro Cláudio Cunca (UFRJ) e Rodrigo Lima (UFF) participaram das mesas de debates no seminário do OPSG
Fotos: ASCOM/NEACA TR
‘Trabalhar em rede e dar valor as potências dos territórios’
Já para o professor da UFF Rodrigo Lima, trabalhar em rede significa amparar e valorizar as potências das periferias. Lima ressaltou a importância da participação da população em todas as discussões referentes aos territórios, até mesmo na construção de políticas de segurança pública.
“A população precisa ser chamada para discutir o modelo de segurança pública que elas querem. Pensávamos que em 2024 haveria carros voadores, mas ainda convivemos com territórios sem saneamento básico. Precisamos trabalhar em rede e valorizar as potencialidades das periferias. Diante de tantas ‘guerras’ e mazelas, o que nos move é o incômodo e o fato de sabermos que é impossível ser feliz sozinho”, reitera Lima.
Lideranças comunitárias: ‘o grito das periferias precisa ecoar’
Responsável pela Creche Estrelinha Azul no Complexo do Salgueiro e representante do Centro Comunitário Amigos do Serpa, a socióloga Tahis Passos repudiou as violações na comunidade.
“Hoje é o aniversário do observatório das periferias. Deveria ser um dia de felicidade, mas estamos tristes. É um dia para se lamentar e chorar, pois, por conta das truculências, deixamos de atender as crianças e suas mães. São dezenas de crianças sem alimento. A comunidade é potência, não é só o estereótipo de mazelas e violência”, reforça Passos.
Luzinete Moreira (E), MC Malagueta, e Ivanise Caetano (D) participaram da celebração de 1 ano do OPSG no J. Catarina
‘A articulação é engrenagem fundamental para que a sociedade sobreviva’
“Precisamos valorizar as articulações e as proposições de políticas públicas para sairmos da inércia. A articulação é engrenagem fundamental para que a sociedade sobreviva e para que haja garantia de direitos”, acrescenta a militante da educação infantil, Luzinete Moreira.
“Esse projeto surge para suprir as necessidades das comunidades. Chega de procurar políticas ‘abstratas’, precisamos de ação”, reitera a pedagoga e vice-presidente da Associação de Moradores do Complexo do Salgueiro, Ivanise de Souza Caetano.
“O observatório das periferias será um instrumento para facilitar a ação da rede e das três esferas de governos nesses territórios. Nós somos os ‘olhos’ deles nessas regiões para apontar os caminhos e as demandas necessárias para atender a população”, ressalta Éder Fé e Esperança, presidente do Instituto Fé e Esperança do Jardim Catarina.
Evento recebeu apoio de autoridades e instituições governamentais
Para a assessora técnica Márcia Pereira, que representou Valcler Rangel, da Assessoria Especial para Saúde nos Territórios de Periferias do Ministério da Saúde, a criação da pasta visa valorizar as tecnologias sociais nos territórios a partir da construção dos dados nas periferias. “O observatório das periferias dialoga com as nossas perspectivas na discussão sobre a saúde pública nesses territórios. Portanto, traz para discussão, entre outros, a saúde da mulher e das crianças, a violência, cultura entre outros”, analisou.
Representante da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), a assistente social e coordenadora do projeto “Cedae Por Elas”, Verônica Cristina dos Santos, enalteceu o projeto e reiterou a parceria da empresa em ações sociais nos territórios de abrangência. "É com muita alegria que inauguramos a nossa participação enquanto equipe da Cedae atuando em territórios de São Gonçalo em um evento expressamente relevante pela participação popular, para conhecer as realidades e construção de dados paupáveis sobre essas periferias. Importante pela interação entre poder público, universidades e as lideranças comunitárias", ressaltou.
Artistas: rap e gravura em grafite sobre a temática do evento
Venus do Salgueiro e MC Malagueta mostraram suas aptidões artísticas e a potência cultural das periferias de S. Gonçalo
Fotos: ASCOM/NEACA TR
O produtor cultural e coordenador da Batalha do Tanque, Felipe Gaspary, falou sobre a importância da cultura como instrumento de valorização dos artistas das periferias de São Gonçalo. Gaspary apresentou o Mc Malagueta, que recitou uma poesia em ritmo de rap.
Durante o evento, o ator, cantor e grafiteiro Venus do Salgueiro pintou uma obra com spray sobre uma lona crua alusiva à temática do evento. A obra de arte, que mostrava uma ‘fotografia do Complexo do Salgueiro’, foi apresentada no final da cerimônia e ficou exposta no local como símbolo de fé e esperança.
“Usei o preto e branco para mostrar o lado difícil que passa a comunidade e as palavras saúde e cartografia em azul para remeter ao céu”, explicou o artista.
Atendimento às vítimas de violência em periferias
Organizado pelo MMSG, os projetos Vozes Periféricas, Ricas do Salgueiro e Recria atendem moradores das periferias de São Gonçalo. As açôes têm o objetivo de contribuir para a promoção, prevenção e garantia dos direitos humanos de mulheres, crianças, adolescentes e jovens (até 29 anos).
Em caso de ajuda ou informações sobre os projetos sociais, o MMSG disponibiliza seus serviços, de segunda à sexta-feira, das 9h às 17hs, nos endereços e telefones abaixo:
MMSG (SG)- Rua Rodrigues Fonseca, 201, Zé Garoto. (2606-5003/21 98464-2179)
Recria (SG)- Rua Rodrigues Fonseca, 313, Zé Garoto. (21 96750-1595)
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